sexta-feira, 23 de novembro de 2012

É A MICROECONOMIA, ESTÚPIDO !!



Em “As Bases da Política Econômica” afirmei que, embora ameaçados, os pilares da política macroeconômica ainda sobreviviam.  Ouvi algumas críticas, bem vindas, por isso.

De fato, o câmbio já não é mais “tão flutuante” e também o centro da meta de inflação não é mais perseguido.  E, principalmente, a austeridade fiscal está ameaçada.  Apesar disto tudo eu argumentei que não há evidências de que a taxa de juros no Brasil está fora de seus fundamentos e que a relação DIV/PIB está em patamar confortável e com tendência de estabilização ou queda.  

Meu texto parecia uma defesa da atual política econômica. Mas, infelizmente, não fui capaz de ressaltar os riscos e os aspectos da política econômica que põem em xeque a capacidade de crescimento econômico brasileiro.  Este post é um mea culpa! Ao focar o texto anterior no “macroeconômico” deixei de  me aprofundar nas questões microeconômicas, que é, na minha opinião, onde parecem residirem os  “pecados” da atual gestão.

            Normalmente associa-se a política fiscal tão somente à macroeconomia. Esta é apenas a face mais conhecida e cujos resultados se fazem sentir mais rapidamente na atividade econômica.  Uma política fiscal contracionista resulta em menos crescimento e, uma política fiscal expansionista, no curto prazo, resulta em mais crescimento econômico.  Fácil assim!

            O lado microeconômico dos ajustes fiscais (contracionista ou expansionista) é muitas vezes ignorado no debate já que suas consequências não são tão percepitíveis.  Em termos microeconômicos se analisa não o resultado fiscal, mas sim como se chega a ele.  O que importa é como os recursos são gastos ou arrecadados e o ambiente institucional que garante o resultado.   Assim, por exemplo, a Lei da Responsabilidade Fiscal é um “aspecto microeconômico” do ajuste que se implementou nas contas públicas.

            Ao garantir que estados e municípios deveriam ter “responsabilidade fiscal” e ao limitar  a capacidade de endividamento deles, se sinalizou a “perpetuação” da austeridade fiscal.  Esta garantia contrabalançou o aspecto do  ajuste contracionista no curto prazo ao dar previsibilidade aos agentes, que viram o risco do “estado” diminuído, tornando o ambiente mais propício ao investimento.

            O que vemos atualmente é a destruição pari passu desta Lei, à medida que demandas para maior endividamento de estados e municípios tem sido parcialmente atendidas. 

             A concessão de subsídios, ainda que contrabalançada por aumento de arrecadação ou redução de gastos, gera distorções alocativas na economia, tornando-a menos eficiente e mais incerta.  Hoje parece melhor investir em “montadoras de automóveis” do que em empresas de refrigerantes, pois as primeiras recebem subsídios as segundas tiveram ou terão impostos aumentados.  Amanhã, quem sabe?  Este tipo de incerteza gera desconfiança no empreendedor que prefere adiar investimentos.

            Falando em “concessões”, temos o caso recente do setor elétrico. Independentemente das razões, de concordar ou não com as medidas, o fato é que a medida – microeconômica – gerou incerteza que pode vir a afastar empreendedores do setor de geração de energia.

            Ainda do lado fiscal, temos os bancos públicos que tem recebido aportes para serem capazes de exercerem o papel desejado pelas autoridades. Sem entrar no mérito da questão, o problema é que a atuação dos bancos públicos que tem aumentado significativamente à concessão de crédito gera um risco substancial à longo prazo para a sustentabilidade fiscal. 

            As políticas governamentais no âmbito microeconômico estão intimamente ligadas com o efeito da “sinalização”.  Em mais de uma oportunidade defendi que uma das condições necessárias para o crescimento econômico são as expectativas que, em grande parte, são criadas a partir de aspectos microeconômicos.  A adição de incertezas reduz o crescimento econômico.

            Para mim, a discussão em torno do superávit primário, se ele é 1% do PIB maior ou menor, é de pouco relevância a medida que a relação DIV/PIB tem comportamento benigno e que, no contexto global, o Brasil apresenta um resultado fiscal invejável.  O problema reside nos riscos que estão sendo criados para o futuro.  Na minha opinião, estamos voltando à década 80, após o milagre econômico.  A situação atual me faz lembrar de um gráfico em que o Golbery, no livro Geopolítica do Brasil, colocava a esquerda muito próxima da direita.   Os mais velhinhos, como eu, hão de se lembrar para onde o “ativismo estatal” levou nossa economia!

COTAS, ENEM, DESIGUALDADES E O ESTADO AUSENTE



            Todos que leem meu blog – embora sejam poucos – sabem que sou completamente contra cotas.  A razão de minha oposição é simples: as cotas não solucionam – e até pelo contrário – o problema da desigualdade de oportunidades. 

            Têm sido uma rotina, políticos promoverem leis ilógicas tendo com o único objetivo de mascarar o fato inequívoco do mau uso do dinheiro público.  Mau uso que pode ser percebido na qualidade dos serviços públicos oferecidos. Não é preciso ir além das primeiras páginas dos jornais para se constatar que não há segurança, dos descasos com a saúde pública e de inúmeros casos de corrupção.  Enfim, o setor público rotineiramente falta com seus deveres e, para compensar, cria leis – entre elas as de cotas – que apenas servem para manter os políticos em seus cargos e conter uma revolta ainda maior da população.

            Quanto ao ensino público as cotas servem como um contrapeso à sua péssima qualidade. Já que o Estado proporciona uma educação de M...., ele garante cotas nas faculdades para os "desfavorecidos" (?).  Hoje, com base em dados do ENEM de 2011, vou mostrar que nem este objetivo é atingido.  Vamos ver que mais injustiças são cometidas sob a bandeira da “inclusão social”!

            Vamos às estatísticas.

11)      Comparação de Médias por Rede

REDE
Média de MEDIA_GERAL
Estadual
477,3899755
Federal
567,6136327
Municipal
504,2650358
Privada
560,5856312
Total geral
519,0841394
Primeiro dado interessante que vemos é que a média das notas do ENEM das escolas federais foi acima da média das privadas.   Ora, o aluno das escolas federais também tem direito às cotas.  Quem vocês acham que vai conseguir vaga na faculdade: o aluno da escola municipal ou o da federal?

22)      Escolas Públicas com Média Acima das Privadas

221 escolas públicas, com 25812 estudantes que fizeram a prova do ENEM, tiveram média superior às escolas privadas.  Estes 25812 estudantes correspondem a 4,63% do total.  A maioria destas escolas são ETEC´s, que em geral têm vestibulinhos para entrar.

Quantas delas ficam, por exemplo, no interior do Nordeste?  Nenhuma.

De novo: quem vocês acham que vai conseguir vaga na faculdade, o pobre do interior ou uma minoria que teve acesso às ETECs?

33)      Escolas Privadas com Média Abaixo do ENEM


856 escolas privadas, com 23227 estudantes que fizeram a prova do ENEM, tiveram média inferior à média geral . 

Não é difícil de perceber que parte delas ficam nas periferias das cidades.



       Estes poucos dados mostram a criação de “uma nova elite” de beneficiados. Já que os 25 mil estudantes em escolas federais e ETECs poderiam em tese tomar todas as vagas reservadas para os cotistas provenientes de escolas públicas !   Enquanto isso, pais zelosos que, na falta de alternativa (seja pela inexistência da oferta de vagas, seja por falta de segurança), com muito custo matricularam seus filhos em escolas privadas da periferia, às vezes abrindo mão de sua própria qualidade de vida,  pois sonharam em proporcionar aos seus filhos um futuro melhor, os veem alijados da possibilidade de entrar numa faculdade pública !!!


ISTO É JUSTO ????????????

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

As Bases da Política Econômica



Na Teoria Econômica o debate sobre quais as melhores políticas no curto prazo são intensos.   No curto prazo, o debate com aperfeiçoamentos técnicos, remonta a primeira metade do século passado onde Keynesianos e Clássicos se digladiavam sobre a efetividade das políticas fiscais e monetárias. 

Aqui no Brasil, tal debate, tornou-se conhecido como a briga entre “desenvolvimentistas” x “monetaristas”.  

No debate econômico há espaço para nomes mais pomposos como neoclássicos ou neokeynesianos, mas, enfim, o embate é sempre o mesmo: qual a taxa de juros e o déficit público ideal?  Uns defendem mais juros e menos déficit, outros mais juros e menos déficit, outros menos juros e mais déficit de acordo com suas crenças e suas matizes políticas.  Cada qual tem seus argumentos e a discussão, por não se tratar de ciência exata é quase como tentar convencer Palmeirenses e Corinthianos que o Santos FC é o melhor time do mundo.  Impossível, né?

Tal discussão se esvai em grande parte no “longo prazo”.  Há um consenso que o crescimento econômico no longo prazo depende das Instituições, do avanço da produtividade e da estabilidade econômica.

As Instituições dizem respeito ao arcabouço legal e político do país.  Leis claras, estáveis e uma justiça ágil melhoram o ambiente de negócios ao dar segurança aos empreendedores.    O empreendedor ao investir num negócio quer ter certeza de que não será surpreendido por mudanças de regra no meio do jogo. Ele precisa de leis que protejam seu negócio de concorrência desleal, roubo de patentes, etc...   O investidor requer também segurança política, isto é, seu negócio não pode ser significativamente afetado por todo e qualquer mudança no poder.    Além disso, quanto menos dificuldades e burocracia houver mais propício será o ambiente para o investimento.

O avanço da produtividade depende de tecnologia e infraestrutura.  Melhores meios de escoar a produção melhoram a rentabilidade do negócio e atraem mais investidores.  Melhor nível técnico e melhor a qualidade de ensino, mais produtivo será o trabalhador.  Um mercado de capitais eficiente também amplia o acesso dos empreendedores ao capital que lhes permite investir em máquinas e novas tecnologias que aumentam sua produtividade e o retorno sobre o investimento.  

A estabilidade econômica de longo prazo completa o tripé.  Inflação sob controle é essencial para a capacidade de se planejar o futuro.  Mas, a estabilidade econômica também depende da “Consistência Fiscal de Longo Prazo”.  Quem em sã consciência investe em um país fadado a quebrar?    Neste ponto, encontramos, em parte, o motivo do debate econômico em torno das políticas no curto prazo: até que ponto aumentar os gastos públicos é benéfico para o crescimento?

Sabemos que, e neste aspecto não há dúvidas, que um aumento no gasto público aumenta a demanda, e portanto o PIB do país, desde que este aumento não coloque em dúvida a sustentabilidade fiscal de longo prazo.  É mais ou menos como a decisão de comprar uma casa financiada: é uma boa ideia se você tiver renda suficiente para arcar com as prestações e uma péssima ideia se você souber que em algum momento no futuro você ficará incapaz de pagar o financiamento.   Para um país a situação é semelhante, exceto pelo fato que países em geral tem o poder de emitir moeda para pagar suas dívidas.

Dado este extenso preâmbulo, vamos às bases da política econômica no Brasil.  Não nos enganemos: parte da bonança que vivemos hoje começou a ser construída no Governo Collor, que colocou na agenda as Reformas Fiscal e Patrimonial do Estado e a abertura econômica.  FHC continuou deixando alguns legados, entre eles, a independência de fato do Banco Central (que na minha opinião é melhor do que garantida por lei), a Lei de Responsabilidade Fiscal (que disciplinou os gastos de estados e municípios), o câmbio flutuante e o princípio de ajuste fiscal (no 2º mandato). 

Menos percebido durante o governo FHC foi o fim de um monte de subsídios setoriais que existiam, ajustando questões alocativas. Também foi responsável, ainda que de maneira criticável, por um importante ajuste no sistema financeiro nacional, praticamente acabando com bancos estatais deficitários e instituições financeiras insolventes.

Lula, ao assumir, deu continuidade, preservando a independência do BC, o câmbio flutuante e intensificou o ajuste fiscal.  Com o ministério da Fazenda sob o comando de Palocci também se começou uma agenda de reformas microeconômicas importantes tais como a “alienação fiduciária”, o “patrimônio líquido de afetação”, etc.  Lula teve ainda a esperteza de investir nos programas sociais que também ajudaram a modificar a cara do país.

Sucesso absoluto, o Brasil se tornou um dos queridinhos do Mundo. Os BRICs saíram das páginas de um antigo relatório da Goldman Sachs para as manchetes econômicas de um novo mundo.

Linda história.  O futuro chegou ao Brasil!   Será?

Recentemente, vemos o debate sobre os fundamentos de política econômica de volta às manchetes dos jornais.   Será que a estabilidade monetária e fiscal estão em risco?   Será que as instituições estão abaladas?

Comecemos pela questão monetária:  a estabilidade monetária está em risco?

Talvez.   Vejamos por quê. 

De um lado, a favor dos juros baixos temos a “paridade coberta das taxas de juros”, que, grosso modo, estabelece que a taxa de juros real do país deve ser igual a taxa real de juros externa (geralmente a americana) mais o prêmio de risco.  Neste caso teríamos que i = i*+CDS, sendo i* a taxa real de juros americanas, que é dada por 0,25 – 2 = -1,75 ( i*= taxa de juros nominal-inflação). Logo, i = -1,75+1,15=-0,6.  Considerando que a inflação esperada no Brasil é ao redor de 5,5%, teríamos que os juros nominais no Brasil poderiam ser ao redor de 4,9%....  Há quem faça esta conta de outra maneira, simplesmente somando aos juros externos a inflação local e o prêmio de risco, neste caso: 0,25+5,5+1,15= 6,90%. 

A ideia que permeia estas contas é que, já que o prêmio de risco embute – com perdão ao tautologismo – compensação para os riscos do país. Se os juros forem mais altos haverá incentivo para a entrada de “especuladores estrangeiros” que se aproveitarão dos diferenciais de juros e vice-versa, se os juros praticados forem menores, até mesmo os brasileiros prefeririam aplicar seu dinheiro no exterior, provocando grandes saídas de recursos.  No primeiro caso a moeda brasileira se valorizaria e no segundo se desvalorizaria.

Em síntese: pode-se dizer que a taxa de juros local está alinhada com os fundamentos globais.

Por outro lado, temos o problema da inflação.  No Brasil adota-se o regime de Metas para Inflação, cuja meta é de 4,50% com tolerância de 2% para cima ou para baixo.  Isto é, se a inflação no ano ficar entre 2,5% e 6,5% considera-se que o Banco Central obteve sucesso.  Considerando a inflação esperada para este ano e o próximo ao redor de 5,5%, o Banco Central está sendo bem sucedido.

Se o Banco Central está sendo bem sucedido e as taxas de juros estão em equilíbrio com os fundamentos externos, qual a razão de tantas críticas?

O problema, na minha opinião, está na forma e na comunicação.  Para analistas distantes e ou xiitas a aparência é que há certa leniência da parte do BC. Para os xiitas o BC deveria perseguir a todo custo o centro da meta. Para os mais distantes a comunicação faz parecer que a autoridade monetária está pautando suas decisões em apostas quanto ao futuro da atividade global, ignorando os gargalos locais para expansão da oferta.  Soma-se a isto o fim do “câmbio flutuante” e se chega à um monte de dúvidas.  Para muitos o fato que a inflação convergirá de maneira “não linear” para o centro da meta, soa como um dia a inflação voltará para o centro, enquanto isso ela vai ficar oscilando para cima e pra baixo perto do teto...E, eu, num to nem aí!

Enfim, a comunicação parece estar ruim, já que gera dúvidas.   Mas, devemos, a bem da verdade, não levar as críticas muito a sério, afinal muitos dos críticos defendem o seu próprio “peixe” já que alguns deles viviam de “floating” ou da renda elevada propiciada pelo CDI.   A mamata acabou !

Quanto as questões institucionais, as recentes medidas adotadas para as concessões do setor de energia e a prática pela Petrobrás de preços inferiores ao ideal geram incertezas negativas para o investidor.  Além disso, a agenda microeconômica parece abandonada...

E quanto a “consistência fiscal de longo prazo”?  Quando olhamos as tabelas do “Monitor Fiscal do FMI” ou outras divulgadas na imprensa, vemos que o Brasil está com melhores fundamentos fiscais que a maioria dos países, ao apresentar um déficit nominal bastante baixo e ter uma relação dívida líquida/PIB ao redor de 35%.  Na atualidade, esta é uma situação invejável!   Entretanto a crítica surge quando se olha os “números por dentro”, e os riscos que estão sendo moldados para o futuro, a medida que grande parte da política econômica é canalizada via setor financeiro público e quando olhamos aos gastos correntes ainda crescentes. 

O ponto é: o Brasil estará ótimo enquanto o ciclo for positivo, mas, se por alguma razão o crescimento econômico no Brasil ficar negativo há um potencial de deterioração rápida das contas públicas, pelo crescimento na inadimplência na carteira de crédito dos bancos públicos, pela queda da arrecadação que não poderá ser acompanhada na mesma velocidade por reduções nos gastos e pela possível elevação nos custos de financiamento da máquina pública.

Nos jornais está a discussão sobre a redução dos juros da dívida refinanciada de estados e municípios.  Ainda que tal discussão seja razoável, o fato é: tal renegociação aumentará o poder de gasto de estados e municípios que passarão a contribuir menos para as metas fiscais.   Estados e municípios também voltaram a se endividar de maneira silenciosa através da venda /  securitização de recebíveis e de direitos.

Posto a extensão do texto, vou concluí-lo abruptamente.  Até agora não há nada estruturalmente errado com a política econômica brasileira, de fato, os pilares ainda estão de pé.  Mas, a confiança neles já está abalada pelos sinais difusos passados pelos formadores de política.