Quando olho a arrancada no
crescimento econômico brasileiro na era Lula vejo dois fatores que se destacam:
elevação dos preços das commodities e crescimento do crédito no Brasil.
Quanto à questão dos preços das
commodities, sabemos que eles foram impulsionados de um lado pelo crescimento
Chinês e de outro pela política monetária frouxa americana. Mas, isto não será assunto deste post. Vamos ao crescimento do crédito.
No Brasil, por diversas razões, o
crédito na maior parte do tempo sempre foi muito caro, começando com a taxa
básica (selic) que por si só já era elevada.
Complementariamente o spread bancário também era elevado, entre outros
fatores, devido as dificuldades de execução das dívidas. O crédito consignado soluciona o 2º problema,
o risco de cobrança, já que as parcelas são debitadas na folha de pagamentos,
reduzindo-se significativamente, principalmente no caso de funcionários públicos,
aposentados e pensionistas.
Para se ter uma ideia em janeiro de
2004 a taxa média dos empréstimos para crédito pessoal (inclusive consignado)
era de 79,06% a.a.. No mesmo mês, a taxa
de juros média dos empréstimos consignados era de 41,4%
No gráfico a seguir, vemos a
evolução do Saldo Total de Operações de Crédito ao Setor Privado (desde 2001) e
do Saldo crédito consignado para trabalhadores públicos (inclusive aposentados
e pensionistas) em relação ao PIB.
Podemos ver que o crédito consignado
saiu de aproximadamente 0,5% do PIB para quase 3% do Pib. Em termos de valores nominais, o crescimento
é de R$9 bilhões para R$140 bilhões. Se
fizermos uma conta grotesca, veremos que o crédito consignado aumentou o PIB em
aproximadamente 0,2 pp, em média por ano (e.g. apenas para ficar claro: se o
crescimento do Pib fosse de 3%, graças ao consignado ele passaria para 3,2%).
Até aqui, contamos a parte legal da
estória. Vamos a parte confusa. Os Bancos Médios e pequenos foram os
primeiros a se aventurarem pela seara do crédito consignado que, além do baixo
risco, garantia altos retornos. Os
Bancos grandes ficaram fora do segmento pois, a princípio, não queriam
canibalizar seus lucros advindos do cheque especial, onde cobravam taxas acima
de 10% a.m.(será?) .
O problema é que os Bancos pequenos
e médios não tem rede de agências, então para produzirem grandes volumes de
consignado eles precisavam de correspondentes bancários (em Saint of Paul Oco
ocorriam grandes barbaridades, diz a lenda – fato que não ocorreu no brasil,ver abaixo). Estes correspondentes
bancários eram disputados a tapa, e passaram a exigir remunerações cada vez
maiores. Para se ter uma ideia, em
determinado momento chegou-se a pagar 30% de comissão para um empréstimo de
consignado para aposentados no prazo de 60 meses.
Estes comissões que eram cobradas a
vista e incidiam sobre o valor do empréstimo.
Então, por exemplo, se um aposentado pedia um empréstimo de R$ 1.000,00,
o correspondente recebia R$ 300,00, no momento da liberação do empréstimo. Caramba !!
Mas, pagando tudo isso de comissão ainda era um bom negócio para o
Banco? Seria se a operação fosse até o
vencimento, pois o custo da comissão se diluiria pelo período da operação
sobrando ainda um lucro para o Banco de 5% a 15% a.a., dependendo da comissão
paga.
Além do problema de capilaridade, os
Bancos pequenos e médios sofriam de outro problema: funding. Isto é, faltava-lhes também a captação de
recursos para que eles pudessem crescer o volume de empréstimos. Foram encontradas duas soluções: FIDC’s e
venda de carteiras. Estas duas soluções
tem em comum o mesmo denominador que são as cessões de crédito. Os FIDC’s,
geralmente eram vendidos para investidores institucionais e as carteiras eram
vendidas para os bancos grandes (ué, os bancos grandes não eram aqueles que não
tinham interesse em que esta modalidade crescesse, pois competia com suas
próprias linhas de crédito?).
As cessões de crédito resolviam várias
problemas numa cajadada só.
Outro
problema que surgia para os Bancos que se aventuravam no crédito consignado era
o elevado custo de entrada (marketing, sistemas, contratação de pessoal) que
ocorria no início da operação, afora as comissões. Estes custos lançados no Balanço, gerariam
de antemão grandes prejuízos. Assim,
quando vendiam as carteiras, através das cessões de créditos, os Bancos
antecipavam seus lucros futuros, cobrindo seus custos iniciais.
A título de exemplo, imaginemos que
para emprestar R$ 10.000.000 para aposentados em 30 de dezembro, o Banco tenha pago
R$ 3.000.000 de comissões e tenha tido de custos de R$ 2.000.000. Para facilitar nosso exemplo, vamos supor que
no vencimento estes aposentados tivessem de pagar ao bancos R$ 20.000.000, depois de 12 meses
(10 milhões de principal + 10 milhões de juros). Na contabilidade, no primeiro ano, seriam lançados como despesa R$5
milhões e nada de receitas. No segundo
ano, ele apropriaria os R$ 10 milhões da receita do empréstimo.
Quando o Banco fazia a cessão dos
créditos – suponhamos que no mesmo dia da concessão – ele o fazia por uma taxa
mais baixa que a taxa dos empréstimos, por exemplo a 25% a.a.. Neste caso, o banco receberia, pela venda dos
créditos, R$ 16.000.000,00, apurando um lucro imediato de R$ 1.000.000,00.
(valor recebido – valor emprestado – despesas = 16 – 10 – 5). Esta situação era extremamente vantajosa para
o Banco, que ao invés de ter prejuízo no início das operações, conseguia
contabilizar ótimos lucros.
Os lucros contabilizados faziam a
alegria de todos. Executivos que tinham
excelentes bônus (lembram do subprime americano?), banqueiros felizes com suas operações,
Receita Federal (que recebia impostos).
Para um Banco, a contabilização de
Lucros, que aumenta seu patrimônio líquido reduz seu custo de captação (pela
melhora da percepção de seu risco pelo mercado) ao mesmo tempo que lhe permite
crescer a carteira de crédito.
Excelente.
Se parasse por aí, seria excelente
mesmo. Mas...
Imagine que você é um correspondente
bancário. Você acabou de convencer o seu
Zé, seu vizinho aposentado, a tomar R$ 1000 emprestados do banco XYZ e você,
por isso, ganhou R$ 300 de comissão. No
dia seguinte, você convenceu Dna. Maria, sua outra vizinha, também aposentada,
a tomar R$ 1000 emprestados, também do Banco XYZ. Você recebeu mais R$ 300, de comissões. Você começou a tomar gosto pela coisa, mas
passaram-se 3 meses e você não tem mais vizinhos aposentados. Então, você
descobre que o banco WZH, também paga comissões de 30% e você sabe que seu Zé e
Dna Maria podem pagar antecipado seus empréstimos no Banco XYZ. Então, você os convence que é uma boa ideia eles
pagarem sua dívida no XYZ, tomando R$ 1000, cada um, no banco WZH. Seu Zé e Dna Maria, ficam felizes, pois
pagando o saldo devedor que tinham (vamos supor R$ 800), e pegando o novo
empréstimo eles receberiam R$ 200 e continuariam a pagar a mesma prestação. Enquanto isso, você espertão, ganhou mais R$
600 de comissões.
A situação neste momento é a
seguinte: você recebeu em apenas 3 meses R$1200 de comissões. E o Banco XYZ, ao
invés de ter lucro com a operação, teve um prejuízo de uns R$ 500 em cada
operação. Só que o Banco XYZ, tinha contabilizado
um lucro, já que tinha cedido a carteira de crédito de R$ 2000. Portanto, ele deveria lançar em seu balanço
a reversão desta receita. Se isso
acontecesse, o executivo deixaria de ganhar seu bônus e o banqueiro pararia a
operação e talvez, até fechasse o banco.
A estória começa a ficar
divertida. Agora o banco, para não
apresentar prejuízo ele precisa aumentar sua produção de créditos e as cessões,
pois precisa não só cobrir os custos das novas operações como também o prejuízo
das primeiras. Enquanto isso, mais
alguns meses se passaram e você já está sentindo saudades de suas
comissões. O Banco XYZ te liga e te
suplica para você produzir créditos para ele.
Eis que você tem a excelente ideia,
“vou ligar de novo para o seu Zé e para a Dna Maria e sugerir-lhes
pagarem suas operações no banco WZH e tomarem de novo no Banco XYZ”... A estória se repete e você vai, a cada 3
meses, ganhando comissões de um ou outro banco.
Enquanto isso, no Banco XYZ, os
pepinos crescem. Cada vez mais, o Banco
precisa fazer mais cessões para cobrir seus prejuízos.
-------------------- FIM
A LENDA DOS CONSIGNADOS EM SAINT OF PAUL OCO
Lá na lendária Saint of Paul Oco,
aquela terra que teria submergido num mar de merda, também havia créditos
consignados. A estória era muito
parecida, apenas no início, com a que acontecia em um país do hemisfério sul.
Só que lá, alguns correspondentes
bancários eram amigos de políticos e militares.
Outros eram amigos dos executivos dos bancos. Assim, em Saint of Paul Oco, muitas vezes as
comissões eram muito elevadas. Nem sei por que coloquei esta informação, que é irrelevante para nossa estória. Mas, vamos lá...
Enfim, como é uma lenda e eu não
conheço direito a estória, tudo que sei é que haviam pessoas que realmente
ficavam ricas lá em Saint of Paul Oco com este modelo de operação. Executivos e políticos, ficavam ainda mais
felizes, pois contribuíam para o crescimento econômico de Saint of Paul Oco.
O problema é que lá em Saint of Paul
Oco, o BC não percebia, embora recebesse o balancete mensalmente de todos os
bancos e realizasse auditorias periódicas, que o risco do sistema crescia. E
que, alguns bancos, na impossibilidade de crescerem suas carteiras e volume de
cessões o suficiente para cobrirem os prejuízos acumulados começaram a adotar
métodos pouco ortodoxos de contabilização.
A coisa mais comum que acontecia, lá
em Saint of Paul Oco, é que, como as cessões de crédito para grandes bancos era
feita com coobrigação, os bancos menores ao invés de repassar os valores
recebidos devido a liquidação antecipada de suas operações, se atinha ao fluxo
de caixa original da cessão, liquidando-a em dia, mas como se nenhum evento
tivesse ocorrido na carteira. Assim,
aparentemente alguns bancos deixavam de informar àqueles que compraram suas
carteiras que alguns créditos já haviam sido liquidados e, que, portanto não
existiam mais.
Embora não nevasse em Saint of Paul
Oco, a situação era uma bola de neve.
Quanto mais prejuízos precisavam esconder, mais criativos eram os banco
pequenos.
Submergidos em merda que estavam, as
autoridades de Saint of Paul Oco, decidiram tomar medidas subprudenciais. Decidiram que o FGM (fundo garantidor
marítimo) daria dinheiro – que deveria ser usado como garantia para depósitos –
para ajudar os bancos que estavam atolados. Além disso, grandes financistas de
Saint of Paul Oco, alguns com mestrados e doutorados em instituições da
superfície, elaboraram grandes operações de salvamento, através de avançadas
(tão avançadas que um idiota como eu, jamais entenderá) técnicas de
estruturação, que basicamente se constituíam de grandes créditos fiscais. Uma velhinha de Saint Of Paul Oco – favor não
confundir com a velhinha de Taubaté – muito chata e ignorante cismou de achar
que no final das contas quem pagava a conta era ela, que nunca tinha tomado
empréstimo consignado.
Infelizmente, os livros sobre a
Lenda de Saint of Paul Oco se perderam e a estória é passada apenas oralmente,
se perdendo muitos detalhes e precisão.