quarta-feira, 26 de setembro de 2012

QUANTITATIVE EASING 3: A SALVAÇÃO?


             Ontem, durante o dia vimos na internet a crítica de que a “política monetária não pode ser a única salvação da crise”.  Também não são poucos, alguns meus amigos, que criticam fortemente o Quantitative Easing americano e o Europeu que está por vir.   A questão é: estas críticas são justas?    E, independentemente da resposta anterior, algo mais pode ser feito?  O mundo vai sair da crise?

                A título de preâmbulo vamos lembrar um pouco os dados e a história da recente crise global.  O fato é que até 2008 a alavancagem do setor privado (bancos, empresas e famílias) bateram níveis elevados, por exemplo, nos EUA o endividamento das famílias chegou a quase 130% do PIB, enquanto no Reino Unido foi acima de 150% do PIB. (ver gráfico abaixo retirado de do  texto da Mckinsey: Debt and Deleveraging: Uneven Progress on The Path to Growth” de jan/2012)


                Enfim a chamada crise do “subprime”  não passou de um estouro numa grande bolha creditícia, processo muito estudado por economistas e portanto, bastante conhecido (vale a leitura do livro do Galbraith sobre a crise de 1929). Acontece que o processo de desalavancagem tende a criar uma espiral desinflacionária, ou seja, os preços tendem a cair e as pessoas passam a  adiar ainda mais o consumo e, a medida que fazem isso, aumentam ainda mais o desemprego, os preços caem ainda mais, as pessoas adiam mais o consumo...   Ben Bernanke, o presidente do FED é um economista que estudou isso em profundidade e que entende claramente este e risco e que o papel de um Banco Central nesta hora é garantir que isto não aconteça emitindo tanta moeda quanto necessário.             Assim surgiu o QE – 1.

               Lógico que medidas econômicas são envoltas em interesses políticos e econômicos, e naquele momento, o setor financeiro que corria grande risco de colapsar apoiou todas as medidas de expansão monetária, fazendo o possível para que elas também atingissem objetivos particulares (moral hazard).

                De qualquer maneira, Keynes ressuscitado das catacumbas, também alertava para a questão da demanda agregada (para os leigos: demanda agregada é consumo total de um país, dado pela soma do consumo das famílias, dos investimentos das empresas e dos gastos do governo) e da importância do gasto governamental.   Ora, encher a economia de moeda não é suficiente, é necessário dar um impulso na demanda. e no meio de uma recessão este impulso deve partir do Estado através de seus gastos.   No caso americano este impulso partiu principalmente através da devolução de impostos, do aumento da cobertura do seguro desemprego e através da salvação de instituições quebradas.   Como resultado desta política fiscal, agravada pela queda na arrecadação de tributos, o endividamento dos países cresceu.

                No gráfico abaixo (obtido através do FRED-St Louis Fed) vemos que enquanto o endividamento das famílias caiu de 100% do PIB para 85% entre 2009 e 2011, aproximadamente, o endividamento público fez exatamente o caminho inverso.


                Este preâmbulo é apenas para me permitir dizer que em grande parte a desalavancagem global não foi concluída e que basicamente se transferiu o problema privado para o setor público. De forma geral, isto aconteceu em vários países, que hoje frequentam o noticiário. No site http://www.usdebtclock.org/world-debt-clock.html podemos ver uma “projeção real time” do endividamento público de vários países.   O endividamento médio dos países da OCDE subiu de aproximadamente 75% do PIB para quase 105% do PIB, entre 2007 e 2011. O da Espanha subiu de 36% do PIB em 2008 para 73% do PIB (segundo conceito de Maastricht, fonte FMI). 

               No “Monitor Fiscal” do FMI, divulgado em julho de 2012, vemos que o déficit público médio das economias ditas avançadas deve ficar em 5,8% do PIB em 2012.  O déficit americano será ao redor de 8,2% do PIB !!   E apesar dos grandes déficits a economia global derrapa, com as “economias avançadas” crescendo apenas 1,4% e área do Euro apresentado uma queda de 0,3% no PIB.

                Este conjunto de alto endividamento, alto déficit público e baixo crescimento limita o poder de ação dos governos, principalmente do lado fiscal.  Não há espaço para mais incentivos fiscais nas principais economias mundiais.  O que Bernanke percebeu é que se o FED deixar de fazer sua parte, deixando que a economia americana volte a desaquecer, o fantasma da espiral deflacionária voltará a assombrar.  

                Evidentemente que o QE3 - a emissão monetária - não salvará o mundo.  Também é claro que o efeito de um novo QE é menor que os dos anteriores. Mas, existem poucas opções. Não há espaço para aumento nos gastos públicos e o déficit público americano só não é maior por que os juros reais estão negativos, graças aos QE’s.  Sem eles, se o juro real americano ficasse positivo em 1% a.a. (mais ou menos a média histórica) o déficit público americano aumentaria em 2% do PIB ao ano. 
Com poucas contas é fácil perceber que, dado o nível de endividamento das economias avançadas e a expectativa de crescimento, com juros altos a relação DIV/Pib de vários países se tornaria explosiva.  Soma-se a isso a impossibilidade de se fazer ajustes fiscais significativos, sem abalar o frágil crescimento econômico,  e temos uma grande limitação de instrumentais de política econômica.

Concluindo: ruim com QE, pior sem ele!

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                Para o Brasil o efeito mais visível da expansão monetária alimentada pelos principais Bancos Centrais do Mundo (FED – EUA, BOJ – Japão, BoE – Inglaterra, ECB – Europa) é a tendência de valorização do Real.
                O que não é visível e difícil de medir são os efeitos positivos  sobre a balança comercial brasileira, a medida que a expansão monetária ajuda a sustentar os preços de commodities, principal item de nossa pauta de exportação.   Também é difícil de dizer o que aconteceria com nossa economia caso o desaquecimento econômico global fosse ou viesse a ser mais intenso...
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                Meu primeiro chefe, certa feita, me passou uma tarefa que era criticar certo trabalho, eu jovem, impetuoso (no auge de minha sabedoria aos 16 anos de idade), debrucei-me intensamente sobre aquele trabalho encontrando múltiplos defeitos que eu não hesitei em demonstrá-los.  Ao entregar a conclusão de meu estudo meu chefe me falou: “Perfeito, muito bom!  Mas, como solucionar os problemas. O objetivo de uma crítica é melhorar o trabalho, sem isso ela é inútil.  Então, sempre que me trouxer um crítica, me traga alternativas para solução junto.”   Esta lição ficou para sempre.  O trabalho eu refiz, e percebi que algumas das soluções que eu critiquei não eram as excelentes, mas as possíveis e que eu era incapaz de propor solução melhor. Descobri também que eu não era tão esperto quanto eu pensava...