Tendo eu crescido nas décadas de 70 e 80 e
envelhecido nas seguintes, trabalhando no mercado financeiro, estou calejado
pelas crises de dívidas. Em cada crise,
um mesmo enredo se repete, e, alguns economistas insistem que no âmago de
qualquer solução está a austeridade fiscal, sendo este o cerne do receituário
do FMI. Os profetas do apocalipse
gostam de preconizar um “point of no return” do tipo “se a relação dívida / PIB
de um país ultrapassar a barreira dos 80%” o calote será inevitável...
Uma
das maiores bobagens que cresci ouvindo é a ideia do calote na dívida interna
de um país. Tal tipo de calote só ocorre por decisão política, nunca por
necessidade econômica, quando um país tem a liberdade de emitir moeda , i.e.
quando ele pode monetizar sua dívida.
Assim, no final da década de 90 se popularizou a ideia do “pecado
original” (original sin), termo proposto
por Barry Eichengreen, Ricardo Hausmann e Ugo Panizza. Grosso modo, eles associaram as crises das
dívidas à incapacidade de certos países de se endividarem em sua própria moeda,
razão pela qual periodicamente se viam forçados ao calote.
Uma
crença relevante nos mercados financeiros, principalmente entre Traders de
dívida pública local e denominada na moeda do próprio país, é que nunca se deve
lutar contra o Banco Central. A razão é
simples: a munição de um Banco Central é infinita ele é capaz de comprar tantos
títulos quanto ele quiser e, do outro lado, ele é capaz de enxugar toda a
liquidez do mercado. Enfrentar um Banco Central é sempre garantia de derrota.
Em
consequência dos poderes dos Bancos Centrais, especuladores aprenderam que a
única forma de atacar um país é através do câmbio, já que a munição em moeda
estrangeira de um país é limitada. Desta
forma, as crises das dívidas sempre estiveram associadas a problemas no Balanço
de Pagamentos e à déficits em c/c.
A solução para um país “sob ataque
de especuladores” era desvalorizar a moeda (para reverter déficits na c/c e
também reduzir o incentivo para o mercado apostar contra), elevar as taxas de
juros (para aumentar o custo dos especuladores e reduzir drasticamente o
consumo interno) e fazer um grande ajuste fiscal (para reduzir a necessidade de
financiamento do setor público e reduzir o consumo interno). Se tudo desse certo, o país sofreria uma
forte recessão no curto prazo, passaria a ter superávits na balança comercial
(devido a queda no consumo interno, ao aumento dos preços de produtos
importados e ao aumento da competitividade de seus produtos no mercado
internacional) e depois de alguns anos todos voltariam a ser felizes novamente.
Para o receituário conservador
funcionar, o país deveria ser capaz de reativar seu crescimento via setor
externo (exportações) já que o seu mercado consumidor interno estaria
combalido. Para isto acontecer, o país
em questão deveria ser pequeno para que sua recessão também não afetasse o
crescimento global, pois caso contrário um processo de desvalorizações
competitivas seria iniciado e o equilíbrio dificilmente seria atingido. Nas décadas de 70 e 80, ficaram famosas as
reuniões de líderes dos principais países para tentar estabelecer taxas de
câmbio de equilíbrio, a mais famosa delas foi o “Acordo do Plaza” em 1985.
Mas, chegando ao ponto. O real problema das dívidas dos países da “Europa
Periférica” é a sua incapacidade para emitir moeda para honrarem suas dívidas. Pacotes de ajuda, sempre serão insuficientes,
posto que finitos, servindo apenas para “salvar os escolhidos”. Ajustes fiscais
não são a solução, já que cortes no gasto público reduzem a demanda, que por
sua vez reduz a receita governamental, reduzindo o PIB, aumentando ainda mais a
relação Dívida/PIB, gerando um círculo vicioso sem fim. Ou melhor com um final
conhecido: TODOS MORREM !
A solução econômica para o problema
europeu é simples e conhecida. O ECB (Banco Central Europeu) tem de comprar
dívida dos países, sem limitação de valores.
Ou seja, só é possível se ficar otimista quando o ECB agir, antes disso,
qualquer medida será paliativa e apenas mais uma chance de se apostar contra!
Se é tão fácil resolver, porque isto
ainda não foi feito? Isto será tema de
um post futuro. Por hora, minha resposta é: “da cabeça de político e do bumbum
de neném só pode sair merda”.