terça-feira, 2 de outubro de 2012

O PERFIL DO INVESTIDOR: DESAFIOS DO SUITABILITY


    Uma nova linha de regulamentação do mercado de capitais é a exigência de que os produtos oferecidos aos clientes lhes sejam adequados (suitable).  Para isso, os Bancos, corretoras, assets, etc. submetem questionários aos seus clientes tentando identificar se o perfil deles é, por exemplo, arrojado ou conservador.

                Eu sempre acho um pouco de graça nesta tentativa de traçar o perfil de alguém.  São conhecidos casos onde as respostas do cliente não condizem com o portfólio de investimento ou com a resposta esperada pelos princípios da Teoria de Finanças.  Por exemplo, ontem,uma colega comentava do caso de um cliente que tinha em seu portfólio apenas ações de uma só empresa e se dizia conservador...

                Além da dificuldade de tentar se definir o perfil de um investidor através de um questionário, o qual muitas vezes é preenchido com pouca atenção e só por obrigação, às vezes há uma dicotomia entre o que o cliente diz ser e o que ele precisa ser em função de suas necessidades e planos.   Por exemplo, imaginemos uma pessoa que deseja poupar para aposentadoria e se diz ultraconservadora e que aplique todo seu dinheiro em investimentos indexados ao CDI. Este porfólio está condizente com a meta do investidor?      Talvez. Eu acho que não !

                Se uma pessoa pensa em poupar para a aposentadoria (longo prazo) a principal preocupação dela deve ser a preservação do valor real de sua poupança de modo a garantir um rendimento real estável no futuro.   Assim, provavelmente o investimento mais adequado para este investidor “ultra conservador”, dado o seu objetivo, deveria ser em títulos públicos indexados ao IPCA, de prazo semelhante à sua expectativa de vida.

                No mundo empresarial eu conheço um caso, que me causa estranheza.  Uma grande empresa concessionária de serviços públicos considera-se “sem risco” com seus ativos e passivos financeiros indexados ao CDI.  Em minha opinião, não faz o menor sentido.  Possivelmente a maior parte da receita desta empresa deve estar altamente correlacionada com a inflação e o mesmo pode-se dizer de seus custos.  Logo, para minimizar o risco para seus resultados, possivelmente, o mais adequado seria que seus ativos e passivos fossem igualmente ligados à inflação.    E mais, de forma geral, não faz muito sentido uma empresa, cujas receitas e despesas são pouco relacionadas com a taxa de juros, ter ativos e passivos indexados ao CDI.  Ao indexar ao CDI, principalmente dívidas de longo prazo, aumenta-se  a variabilidade do resultado esperado da empresa (CDI sobe, resultado esperado cai,  CDI cai, resultado esperado sobe...).  Será que isto faz sentido?

                Também acho engraçado falar-se em “suitability” (adequação) quando muitos dos produtos oferecidos pelos bancos aos seus clientes fazem pouco sentido.  Não é um investimento adequado para ninguém um fundo de curto prazo com taxa de administração de 2% a.a. (por exemplo).  Não é adequado para ninguém um plano de previdência com taxa de carregamento de 4%, mais taxa de administração de 2%...  Também tenho dúvidas  se qualquer plano de capitalização seria adequado para alguém...

                Evidente que os questionários enviados pelos Bancos possuem duas dimensões, tentando quantificar o nível de aversão ao risco e os objetivos / motivos da poupança.  Contudo, com disse, há muitas vezes certa dicotomia pois nem sempre o que o cliente gosta é o mais adequado para seus objetivos.  E eu também me pergunto, quantas vezes ao se deparar com um extenso questionário (pesquisa) que o separa de uma operação que você quer fazer, você simplesmente não o responde sem prestar muita atenção, apenas para concluí-lo rapidamente ?

                Eu acredito que a melhor opção – e a mais difícil – é ensinar o cliente a tomar suas próprias decisões.  Para isso, os produtos precisam ser mais transparentes (alguém já tentou ler as 500 e tantas páginas de um prospecto de um FIDC ou de um IPO?).  O gerente do Banco também não pode ser movido por meta de venda por produto, ele precisa ter a liberdade e obrigação de conversar com seu cliente, conhecê-lo, entendê-lo e lhe oferecer os produtos realmente adequados.   Além disso, no plano escolar, ao invés de se discutir o ensino de religião, artes, filosofia, etc... dever-se-ia ensinar economia e finanças, pelo menos no ensino médio.  Em resumo, eu não acredito em questionários e perfis traçados por terceiros, eu acredito na liberdade das pessoas escolherem onde querem investir,  na responsabilidade de quem oferece os produtos e na educação.

               Para terminar segue uma sugestão de portfólio para quem pretende guardar dinheiro para aposentadoria:
                - Maior parte em NTNB´s, vários prazos, principalmente as mais longas (compradas no tesouro direto através de corretoras que não cobram taxas adicionais) (meu chute uns 70%);
                - Pequena parte diversificada em uns 10 fundos imobiliários (que de preferência invistam em CRI´s e ou vários imóveis) (meu chute uns 10%);
                - Investimento em Debêntures com benefício fiscal (5% a 10%);
                - Carteira de ações (no máximo 10 ações) (5%);
                - Títulos de Bancos (LCI´s, LCA´s ou CDB´s) (5% a 10%).



2 comentários:

  1. Bom dia, Mau Humorado... Aliás, bom dia por que??
    Dá pra ir bem mais fundo na inconsistência/incoerência dos questionários de suitability. Primeiro, até hoje não vi nenhum questionário que consiga aliar poder de síntese com efetividade. Se você faz um questionário completo o suficiente, ou cliente se recusa a responder ou se o fizer, o fará como você mesmo disse, displicentemente. Segunda situação: o cliente responde ao questionário e não se enquadra ao objetivo da operação/investimento. Basta um telefonema e a indicação de quais respostas o tornam apto para aquela operação (já vi isso de monte). Por último, uma empresa vai responder ao questionário. O responsável pelo departamento financeiro preenche o questionário. Ai eu pergunto, qual será o percentual de pessoas que respondem ao questionário segregando aquilo que representa o perfil da empresa de suas convicções pessoais (já vi isso de monte 2)?
    Aí eu me pergunto, mantém-se o questionário para que?
    Abs,

    Ácido Lático

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  2. Ácido Lático... Excelente comentário !!!

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