terça-feira, 5 de junho de 2012

Crédito Consignado: Euforia e Falência


Quando olho a arrancada no crescimento econômico brasileiro na era Lula vejo dois fatores que se destacam: elevação dos preços das commodities e crescimento do crédito no Brasil.

Quanto à questão dos preços das commodities, sabemos que eles foram impulsionados de um lado pelo crescimento Chinês e de outro pela política monetária frouxa americana.  Mas, isto não será assunto deste post.   Vamos ao crescimento do crédito.

No Brasil, por diversas razões, o crédito na maior parte do tempo sempre foi muito caro, começando com a taxa básica (selic) que por si só já era elevada.  Complementariamente o spread bancário também era elevado, entre outros fatores, devido as dificuldades de execução das dívidas.  O crédito consignado soluciona o 2º problema, o risco de cobrança, já que as parcelas são debitadas na folha de pagamentos, reduzindo-se significativamente, principalmente no caso de funcionários públicos, aposentados e pensionistas.

Para se ter uma ideia em janeiro de 2004 a taxa média dos empréstimos para crédito pessoal (inclusive consignado) era de 79,06% a.a..  No mesmo mês, a taxa de juros média dos empréstimos consignados era de 41,4%

No gráfico a seguir, vemos a evolução do Saldo Total de Operações de Crédito ao Setor Privado (desde 2001) e do Saldo crédito consignado para trabalhadores públicos (inclusive aposentados e pensionistas) em relação ao PIB. 


Podemos ver que o crédito consignado saiu de aproximadamente 0,5% do PIB para quase 3% do Pib.  Em termos de valores nominais, o crescimento é de R$9 bilhões para R$140 bilhões.  Se fizermos uma conta grotesca, veremos que o crédito consignado aumentou o PIB em aproximadamente 0,2 pp, em média por ano (e.g. apenas para ficar claro: se o crescimento do Pib fosse de 3%, graças ao consignado ele passaria para 3,2%).

Até aqui, contamos a parte legal da estória.  Vamos a parte confusa.  Os Bancos Médios e pequenos foram os primeiros a se aventurarem pela seara do crédito consignado que, além do baixo risco, garantia altos retornos.  Os Bancos grandes ficaram fora do segmento pois, a princípio, não queriam canibalizar seus lucros advindos do cheque especial, onde cobravam taxas acima de 10% a.m.(será?) . 

O problema é que os Bancos pequenos e médios não tem rede de agências, então para produzirem grandes volumes de consignado eles precisavam de correspondentes bancários (em Saint of Paul Oco ocorriam grandes barbaridades, diz a lenda – fato que não ocorreu no brasil,ver abaixo).   Estes correspondentes bancários eram disputados a tapa, e passaram a exigir remunerações cada vez maiores.  Para se ter uma ideia, em determinado momento chegou-se a pagar 30% de comissão para um empréstimo de consignado para aposentados no prazo de 60 meses.  

Estes comissões que eram cobradas a vista e incidiam sobre o valor do empréstimo.  Então, por exemplo, se um aposentado pedia um empréstimo de R$ 1.000,00, o correspondente recebia R$ 300,00, no momento da liberação do empréstimo.  Caramba !!  Mas, pagando tudo isso de comissão ainda era um bom negócio para o Banco?   Seria se a operação fosse até o vencimento, pois o custo da comissão se diluiria pelo período da operação sobrando ainda um lucro para o Banco de 5% a 15% a.a., dependendo da comissão paga.

Além do problema de capilaridade, os Bancos pequenos e médios sofriam de outro problema: funding.  Isto é, faltava-lhes também  a captação de recursos para que eles pudessem crescer o volume de empréstimos.   Foram encontradas duas soluções: FIDC’s e venda de carteiras.  Estas duas soluções tem em comum o mesmo denominador que são as cessões de crédito. Os FIDC’s, geralmente eram vendidos para investidores institucionais e as carteiras eram vendidas para os bancos grandes (ué, os bancos grandes não eram aqueles que não tinham interesse em que esta modalidade crescesse, pois competia com suas próprias linhas de crédito?).

As cessões de crédito resolviam várias problemas numa cajadada só.  

Outro problema que surgia para os Bancos que se aventuravam no crédito consignado era o elevado custo de entrada (marketing, sistemas, contratação de pessoal) que ocorria no início da operação, afora as comissões.   Estes custos lançados no Balanço, gerariam de antemão grandes prejuízos.  Assim, quando vendiam as carteiras, através das cessões de créditos, os Bancos antecipavam seus lucros futuros, cobrindo seus custos iniciais.
 
A título de exemplo, imaginemos que para emprestar R$ 10.000.000 para aposentados em 30 de dezembro, o Banco tenha pago R$ 3.000.000 de comissões e tenha tido de custos de  R$ 2.000.000.  Para facilitar nosso exemplo, vamos supor que no vencimento estes aposentados tivessem de pagar  ao bancos R$ 20.000.000, depois de 12 meses (10 milhões de principal + 10 milhões de juros).  Na contabilidade, no primeiro ano, seriam lançados como despesa R$5 milhões e nada de receitas.   No segundo ano, ele apropriaria os R$ 10 milhões da receita do empréstimo.

Quando o Banco fazia a cessão dos créditos – suponhamos que no mesmo dia da concessão – ele o fazia por uma taxa mais baixa que a taxa dos empréstimos, por exemplo a 25% a.a..  Neste caso, o banco receberia, pela venda dos créditos, R$ 16.000.000,00, apurando um lucro imediato de R$ 1.000.000,00. (valor recebido – valor emprestado – despesas = 16 – 10 – 5).  Esta situação era extremamente vantajosa para o Banco, que ao invés de ter prejuízo no início das operações, conseguia contabilizar ótimos lucros.

Os lucros contabilizados faziam a alegria de todos.  Executivos que tinham excelentes bônus (lembram do subprime americano?),  banqueiros felizes com suas operações, Receita Federal (que recebia impostos).  

Para um Banco, a contabilização de Lucros, que aumenta seu patrimônio líquido reduz seu custo de captação (pela melhora da percepção de seu risco pelo mercado) ao mesmo tempo que lhe permite crescer a carteira de crédito.  Excelente.

Se parasse por aí, seria excelente mesmo.  Mas...

Imagine que você é um correspondente bancário.  Você acabou de convencer o seu Zé, seu vizinho aposentado, a tomar R$ 1000 emprestados do banco XYZ e você, por isso, ganhou R$ 300 de comissão.  No dia seguinte, você convenceu Dna. Maria, sua outra vizinha, também aposentada, a tomar R$ 1000 emprestados, também do Banco XYZ.  Você recebeu mais R$ 300, de comissões.  Você começou a tomar gosto pela coisa, mas passaram-se 3 meses e você não tem mais vizinhos aposentados. Então, você descobre que o banco WZH, também paga comissões de 30% e você sabe que seu Zé e Dna Maria podem pagar antecipado seus empréstimos no Banco XYZ.  Então, você os convence que é uma boa ideia eles pagarem sua dívida no XYZ, tomando R$ 1000, cada um, no banco WZH.  Seu Zé e Dna Maria, ficam felizes, pois pagando o saldo devedor que tinham (vamos supor R$ 800), e pegando o novo empréstimo eles receberiam R$ 200 e continuariam a pagar a mesma prestação.  Enquanto isso, você espertão, ganhou mais R$ 600 de comissões.

A situação neste momento é a seguinte: você recebeu em apenas 3 meses  R$1200 de comissões. E o Banco XYZ, ao invés de ter lucro com a operação, teve um prejuízo de uns R$ 500 em cada operação.  Só que o Banco XYZ, tinha contabilizado um lucro, já que tinha cedido a carteira de crédito de R$ 2000.   Portanto, ele deveria lançar em seu balanço a reversão desta receita.  Se isso acontecesse, o executivo deixaria de ganhar seu bônus e o banqueiro pararia a operação e talvez, até fechasse o banco.

A estória começa a ficar divertida.  Agora o banco, para não apresentar prejuízo ele precisa aumentar sua produção de créditos e as cessões, pois precisa não só cobrir os custos das novas operações como também o prejuízo das primeiras.    Enquanto isso, mais alguns meses se passaram e você já está sentindo saudades de suas comissões.  O Banco XYZ te liga e te suplica para você produzir créditos para ele.  Eis que você tem a excelente ideia,  “vou ligar de novo para o seu Zé e para a Dna Maria e sugerir-lhes pagarem suas operações no banco WZH e tomarem de novo no Banco XYZ”...   A estória se repete e você vai, a cada 3 meses, ganhando comissões de um ou outro banco.

Enquanto isso, no Banco XYZ, os pepinos crescem.  Cada vez mais, o Banco precisa fazer mais cessões para cobrir seus prejuízos. 
--------------------  FIM

A LENDA DOS CONSIGNADOS EM SAINT OF PAUL OCO

Lá na lendária Saint of Paul Oco, aquela terra que teria submergido num mar de merda, também havia créditos consignados.  A estória era muito parecida, apenas no início, com a que acontecia em um país do hemisfério sul.

Só que lá, alguns correspondentes bancários eram amigos de políticos e militares.  Outros eram amigos dos executivos dos bancos.  Assim, em Saint of Paul Oco, muitas vezes as comissões eram muito elevadas. Nem sei por que coloquei esta informação, que é irrelevante para nossa estória.  Mas, vamos lá...

Enfim, como é uma lenda e eu não conheço direito a estória, tudo que sei é que haviam pessoas que realmente ficavam ricas lá em Saint of Paul Oco com este modelo de operação.   Executivos e políticos, ficavam ainda mais felizes, pois contribuíam para o crescimento econômico de Saint of Paul Oco.

O problema é que lá em Saint of Paul Oco, o BC não percebia, embora recebesse o balancete mensalmente de todos os bancos e realizasse auditorias periódicas, que o risco do sistema crescia. E que, alguns bancos, na impossibilidade de crescerem suas carteiras e volume de cessões o suficiente para cobrirem os prejuízos acumulados começaram a adotar métodos pouco ortodoxos de contabilização.  

A coisa mais comum que acontecia, lá em Saint of Paul Oco, é que, como as cessões de crédito para grandes bancos era feita com coobrigação, os bancos menores ao invés de repassar os valores recebidos devido a liquidação antecipada de suas operações, se atinha ao fluxo de caixa original da cessão, liquidando-a em dia, mas como se nenhum evento tivesse ocorrido na carteira.  Assim, aparentemente alguns bancos deixavam de informar àqueles que compraram suas carteiras que alguns créditos já haviam sido liquidados e, que, portanto não existiam mais.

Embora não nevasse em Saint of Paul Oco, a situação era uma bola de neve.  Quanto mais prejuízos precisavam esconder, mais criativos eram os banco pequenos.

Submergidos em merda que estavam, as autoridades de Saint of Paul Oco, decidiram tomar medidas subprudenciais.  Decidiram que o FGM (fundo garantidor marítimo) daria dinheiro – que deveria ser usado como garantia para depósitos – para ajudar os bancos que estavam atolados. Além disso, grandes financistas de Saint of Paul Oco, alguns com mestrados e doutorados em instituições da superfície, elaboraram grandes operações de salvamento, através de avançadas (tão avançadas que um idiota como eu, jamais entenderá) técnicas de estruturação, que basicamente se constituíam de grandes créditos fiscais.  Uma velhinha de Saint Of Paul Oco – favor não confundir com a velhinha de Taubaté – muito chata e ignorante cismou de achar que no final das contas quem pagava a conta era ela, que nunca tinha tomado empréstimo consignado.

Infelizmente, os livros sobre a Lenda de Saint of Paul Oco se perderam e a estória é passada apenas oralmente, se perdendo muitos detalhes e precisão.

3 comentários:

  1. Adorei a lenda de Saint Paul Oco. O que aconteceu com os moradores? migraram para outra região? Nossa Batman santa coincidencia!
    Vamos esperar sentados, fumando charrutos de Cuba, nosso grande amigo, para ver o que vai dar, né. Porque deste que o primeiro caiu ninguem fez nada a respeito. Efeito dominó, mas não estamos jogando dominó, ou estamos? Talvez cai ou não cai.
    Storm

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  2. Domingos Augusto Tedim12 de junho de 2012 às 05:06

    Excelente !!! Faltou apenas destacar que os banqueiros deste segmento, tomados pela filantropia e amor aos esportes, passaram a patrocinar avidamente eventos artísticos e principalmente esportivos. O único manuscrito que sobrou de Saint of Paul Oco foi um recibo de um clube mineiro e ainda como relíquia uma camiseta feminina de vôlei de praia.

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