quarta-feira, 25 de julho de 2012

Anatomia das Crises Soberanas: A Solução Para a Crise Europeia


                 Tendo eu crescido nas décadas de 70 e 80 e envelhecido nas seguintes, trabalhando no mercado financeiro, estou calejado pelas crises de dívidas.   Em cada crise, um mesmo enredo se repete, e, alguns economistas insistem que no âmago de qualquer solução está a austeridade fiscal, sendo este o cerne do receituário do FMI.   Os profetas do apocalipse gostam de preconizar um “point of no return” do tipo “se a relação dívida / PIB de um país ultrapassar a barreira dos 80%” o calote será inevitável...

                Uma das maiores bobagens que cresci ouvindo é a ideia do calote na dívida interna de um país. Tal tipo de calote só ocorre por decisão política, nunca por necessidade econômica, quando um país tem a liberdade de emitir moeda , i.e. quando ele pode monetizar sua dívida.   Assim, no final da década de 90 se popularizou a ideia do “pecado original” (original sin),  termo proposto por Barry Eichengreen, Ricardo Hausmann e Ugo Panizza.   Grosso modo, eles associaram as crises das dívidas à incapacidade de certos países de se endividarem em sua própria moeda, razão pela qual periodicamente se viam forçados ao calote.

                Uma crença relevante nos mercados financeiros, principalmente entre Traders de dívida pública local e denominada na moeda do próprio país, é que nunca se deve lutar contra o Banco Central.   A razão é simples: a munição de um Banco Central é infinita ele é capaz de comprar tantos títulos quanto ele quiser e, do outro lado, ele é capaz de enxugar toda a liquidez do mercado. Enfrentar um Banco Central é sempre garantia de derrota.

                Em consequência dos poderes dos Bancos Centrais, especuladores aprenderam que a única forma de atacar um país é através do câmbio, já que a munição em moeda estrangeira de um país é limitada.  Desta forma, as crises das dívidas sempre estiveram associadas a problemas no Balanço de Pagamentos e à déficits em c/c.  

A solução para um país “sob ataque de especuladores” era desvalorizar a moeda (para reverter déficits na c/c e também reduzir o incentivo para o mercado apostar contra), elevar as taxas de juros (para aumentar o custo dos especuladores e reduzir drasticamente o consumo interno) e fazer um grande ajuste fiscal (para reduzir a necessidade de financiamento do setor público e reduzir o consumo interno).   Se tudo desse certo, o país sofreria uma forte recessão no curto prazo, passaria a ter superávits na balança comercial (devido a queda no consumo interno, ao aumento dos preços de produtos importados e ao aumento da competitividade de seus produtos no mercado internacional) e depois de alguns anos todos voltariam a ser felizes novamente.

Para o receituário conservador funcionar, o país deveria ser capaz de reativar seu crescimento via setor externo (exportações) já que o seu mercado consumidor interno estaria combalido.  Para isto acontecer, o país em questão deveria ser pequeno para que sua recessão também não afetasse o crescimento global, pois caso contrário um processo de desvalorizações competitivas seria iniciado e o equilíbrio dificilmente seria atingido.  Nas décadas de 70 e 80, ficaram famosas as reuniões de líderes dos principais países para tentar estabelecer taxas de câmbio de equilíbrio, a mais famosa delas foi o “Acordo do Plaza” em 1985.

Mas, chegando ao ponto.  O real problema das dívidas dos países da “Europa Periférica” é a sua incapacidade para emitir moeda para honrarem suas dívidas.  Pacotes de ajuda, sempre serão insuficientes, posto que finitos, servindo apenas para “salvar os escolhidos”. Ajustes fiscais não são a solução, já que cortes no gasto público reduzem a demanda, que por sua vez reduz a receita governamental, reduzindo o PIB, aumentando ainda mais a relação Dívida/PIB, gerando um círculo vicioso sem fim. Ou melhor com um final conhecido: TODOS MORREM !

A solução econômica para o problema europeu é simples e conhecida. O ECB (Banco Central Europeu) tem de comprar dívida dos países, sem limitação de valores.  Ou seja, só é possível se ficar otimista quando o ECB agir, antes disso, qualquer medida será paliativa e apenas mais uma chance de se apostar contra!

Se é tão fácil resolver, porque isto ainda não foi feito?  Isto será tema de um post futuro. Por hora, minha resposta é: “da cabeça de político e do bumbum de neném só pode sair merda”.

3 comentários:

  1. Talvez faça parte da resposta o grande problema na vida de todos os seres humanos, mortais. Sim os mortais, somente dos mortais. Nós, meros mortais, pensamos sempre no curto prazo, não fomos ensinados, doutrinados ou diria ainda treinados para pensar a curto prazo. Extendendo um pouquinho sequer somos ensinados a pensar. Entretanto, sempre nos encantam com balinhas coloridas adocicadas que possuem um efeito desvastador no fígado, porém o paladar é delicioso.
    Seres imortais, seres únicos que possuem visão Raio X de longo prazo conseguem visualizar o desastre e com ele irão se beneficiar.
    Triste é que ninguém mais se lembra de "Policarpo Quaresma". Deveríamos ter mais cidadãos assim. Aliás, atualmente, a quem devemos chamar de cidadão? Onde estão os cidadãos deste país?
    Vampire

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  2. querido sidão, me desculpe se fui me estendi no comentário.
    Mas, hoje quem está com mal humor sou eu.
    Vampire

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  3. Precisamos de um ”mal humorado” assim no Ministério da Fazenda...
    Parabéns Sidão!
    Abraço Cazé

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